domingo, 24 de março de 2024

REFORMA DA REFORMA: A FALÁCIA DO NOVO ENSINO MÉDIO

Foto divulgação: sinprofd.org.br

Por Émerson Cardoso

PARA COMEÇO DE CONVERSA

A Prof.ª Drª. Ana Paula de Oliveira Corti (que tem relevante pesquisa na área da Educação e que, desde 2022, desenvolve o projeto de pesquisa intitulado: “Mudanças curriculares e melhoria do ensino público”) concedeu entrevista ao Jornal Central do Brasil, em 21 de março de 2024, e apontou inúmeras reflexões necessárias para esse momento crítico em que a Educação do Brasil se encontra. 

Digo isso, porque o Projeto de Lei 5.230/2023 propõe algumas alterações (do meu ponto de vista, nada significativas) na Reforma do Novo Ensino Médio que, por sua vez, foi gestado no caldeirão do mal de Michel Temer. Esse famigerado Projeto de Lei 13.415/2017, como temos percebido, tem causado preocupações às diversas esferas do campo educacional, principalmente no contexto das escolas públicas. 

A Educação, como temos visto historicamente, nunca foi prioridade em nenhum governo do Brasil. Não tenho receio de ser generalizante — bastaria tempo para pesquisa, e espaço para divulgação de resultados, e eu teria minha assertiva comprovada. Se olharmos com atenção e criticidade para o que tem ocorrido na Educação do país, hoje, será fácil comprovar o que digo.  

Corti (2024) comenta, na entrevista mencionada acima, sobre sua participação em uma pesquisa realizada pelo Grupo Escola Pública e Democracia (e pela Rede Escola Pública e Universidade). A proposta da pesquisa era observar a primeira geração de Estudantes que, no contexto educacional de São Paulo, cursaram o Novo Ensino Médio. A pesquisa ouviu 696 estudantes e obteve os seguintes resultados: 

  • 1. Os estudantes, em sua maioria, desaprovam o modelo do Novo Ensino Médio; 
  • 2. Seis, em cada dez estudantes, não cursaram os Itinerários Formativos escolhidos;
  • 3. 81% dos estudantes estão insatisfeitos com os componentes curriculares propostos nesse "novo" modelo. 

Além disso, quanto à expansão da carga horária, segundo Corti (2024), mais de 60% do Estudantes entrevistados não cursaram as aulas correspondentes a essa expansão, também algumas disciplinas não foram ofertadas pela escola (algumas foram ministradas virtualmente, apesar das dificuldades que o uso de tecnologias no contexto da escola pode implicar).  

Alunos reclamaram, conforme Corti (2024), em relação à perda de muitos conteúdos que seriam ofertados em disciplinas que lhes dariam condições para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio — os Estudantes perceberam o esvaziamento do currículo proposto. Em decorrência disso, mas não só disso, os Estudantes, conforme a pesquisadora aponta, demonstraram desalento quanto ao projeto de futuro. Com a formação educacional reduzida, eles não conseguem vislumbrar a entrada nas universidades via ENEM, tampouco veem a possibilidade de preparação para a inserção no mercado de trabalho com os conteúdos obtidos em sala de aula. 

Apesar das nítidas manifestações de desconforto e de insatisfação, no dia 20 de março de 2024, a Câmara dos Deputados Federais aprovou o Projeto de Lei 5.230/2023, que discorre sobre a Nova Reforma do Ensino Médio (uma espécie de reforma da reforma). O Projeto, agora, vai para a apreciação do Senado Federal. 

O Projeto de Lei tem o objetivo de rever a reforma orquestrada, em 2017, no desgoverno golpista do cínico perverso Michel Temer. Não dá para considerar positivo um modelo educacional desenvolvido com a anuência de figura política tão grotesca, também não dá para considerar positiva uma reforma que entrou em vigência sem consulta pública e sem a participação de Estudantes, de Professores, de demais Profissionais da Educação e da comunidade escolar. Além disso, devo dizer, essa reforma atendia (e atende) a modelos neoliberais de Educação — muito ao gosto do Ministro Camilo Santana. Quanto ao Ministro, ele até poderia realizar algum trabalho positivo no atual governo, mas não no Ministério da Educação, porque sei do que ele fez quando foi Governador do Estado do Ceará. 

As alterações apresentadas (e aprovadas pela Câmara de Deputados Federais) não foram suficientes para resolver a conflitiva condição em que se encontra a Educação Nacional frágil e fragilizante, principalmente nesse momento em que estamos lutando, em apoio ao Governo Lula, para reorganizar o país após o desmonte promovido pelo desgoverno de caráter autoritário que, direta e indiretamente, ainda nos assombra. 

ALGUMAS PAUTAS PARA CONTINUAR COM A CONVERSA

Depois de assistir a vídeos, de ler matérias sobre o assunto e de analisar os Projetos de Lei em pauta, organizei alguns tópicos sobre o assunto com a intenção de discutir, de forma didática, a bagunça dessa proposta:  

  • O Projeto de Lei 5.230/2023, que propõe algumas alterações, não tem tantas alterações assim, mas vai para o Senado Federal e talvez consiga passar também (o que é lastimável);
  • A carga horária do Ensino Médio continua sendo de 3.000 horas (1.000 horas ao ano, em 200 dias letivos, e 05 horas por dia);
  • Antes, Estudantes em geral teriam 1.800 horas na Formação Geral Básica (disciplinas obrigatórias) e 1.200 horas nos Itinerários Formativos (disciplinas optativas), mas com a reforma teremos: 2.400 horas na Formação Geral Básica (o que pode ser considerado uma conquista) e 600 horas nos Itinerários Formativos (disciplinas optativas que serão denominadas, com a reforma, de Trilhas de Aprendizagem); 
  • Não houve revogação, efetiva, na Reforma do Ensino Médio (como gostaria a maioria dos Profissionais da Educação e dos Estudantes), sobretudo porque ela manteve alguns pontos críticos da reforma (os Itinerários Formativos, por exemplo, não foram alterados, e mesmo com as 2.400 horas, que conseguimos alterar, ainda há abertura de espaço para que sejam ofertadas disciplinas que não são da Educação Básica e, desse modo, corremos o risco de serem propostas disciplinas que poderiam ser distantes da real necessidade formacional do Estudante);
  • Para os Estudantes que optarem pelo Ensino Técnico e Profissional, serão ofertadas 1.800 horas, para a Formação Geral Básica, com 1.200 horas direcionadas para o curso técnico escolhido (diferente da carga de outras disciplinas optativas);
  • As 2.400 horas de Formação Geral Básica (disciplinas obrigatórias), com a reforma atual, não será garantia de que haja um processo de Ensino e de Aprendizagem que prepare o Estudante para sua formação acadêmica e sua formação profissional, pois o texto não assegura, em nenhum momento, que a reposição das 2.400 horas exija a oferta de disciplinas que são relevantes, de fato, para a construção do currículo da Educação Básica;
  • Os Itinerários Formativos são organizados com 1.200 horas, mas, com a reforma, eles terão apenas 600 horas;  
  • O Ensino Técnico pode ter até 1.200 horas de disciplinas optativas (Itinerários Formativos), no entanto, com a reforma, 2.100 horas serão para disciplinas obrigatórias e até 300 horas para Formação Geral Básica e Ensino Técnico (esse ensino poderá ser realizado em cooperação com instituições credenciadas e duas trilhas devem ser escolhidas pelo Estudante);
  • A Escola de Tempo Integral terá, com a reforma, 2.400 horas de Formação Geral Básica e 1.800 horas de Trilhas de Aprendizagem; 
  • Disciplinas obrigatórias (as tradicionais) são: 1. Matemática e suas tecnologias, 2. Ciências Humanas (integradas com História, Geografia, Filosofia e Sociologia), 3. Ciências da Natureza (integradas com Química, Física e Biologia) e 4. Linguagens (Língua Portuguesa e suas Literaturas, Arte, Educação Física, Inglês e Espanhol); 
  • A reforma não diferencia o ensino de Literatura e de Produção Textual como componentes distintos da Disciplina de Língua Portuguesa, porém aponta que essas áreas devem ser inseridas nessa disciplina;
  • A disciplina Projeto de Vida não foi abordada, especificamente, no Projeto de Lei (deverá ser mantida a proposta da BNCC);
  • A disciplina de Espanhol, infelizmente, não foi colocada como disciplina obrigatória;
  • Os Itinerários Formativos, atualmente, são determinados, quanto à quantidade de carga horária e quanto às disciplinas a serem ofertadas, pelas redes públicas de ensino (essa autonomia pode ser positiva e negativa dependendo da linha ideológica dessas redes);
  • A disciplina de Cultura e Tecnologia Digital deve ser trabalhada dentro da Formação Geral Básica (não se sabe como ela será assimilada dentro das disciplinas da Formação Geral Básica ou se haverá um componente específico);
  • Quanto aos períodos das disciplinas que foram suprimidas na reforma, como as de Natureza (Biologia, Química e Física perderam 50% da carga horária) e as de Humanas (História e Geografia perderam 50% da carga horária, enquanto Filosofia e Sociologia perderam 70%), o Conselho Nacional de Educação ainda discorrerá sobre como as escolas deverão adequar a carga horária dos Itinerários; 
  • Itinerários Formativos tiveram redução de 1.200 horas para 600 horas (isso poderá ser dividido em 200 horas para cada ano do Ensino Médio, isto é, em torno de 05 períodos por semana devem ofertar );
  • Antes, os Itinerários Formativos eram apresentados em conformidade com a determinação das redes públicas de ensino (e isso, naturalmente, cria a maior das confusões);
  • Cada escola poderá ofertar, no mínimo, dois Itinerários Formativos (com exceção do Ensino Técnico);
  • Serão delimitados os Itinerários Formativos (Trilhas de Aprendizagem) a serem ofertados em quatro linhas gerais: 1. Linguagens e suas Tecnologias, 2. Ciências Humanas e Sociais aplicadas, 3. Matemática e suas Tecnologias e 4. Ciências da Natureza e suas Tecnologias (em escolas técnicas se desenvolverá a Formação Técnica e Profissional);
  • Cada escola deverá ofertar, no mínimo, dois Itinerários Formativos (Trilhas de Aprendizagem) para escolha do Estudante (na escola em que não é ofertado o Ensino Técnico): 1. Primeira Trilha de Aprendizagem — Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza, 2. Segunda Trilha de Aprendizagem — Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais, 3. Terceira Trilha de Aprendizagem — Linguagens, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza; 4. Quarta Trilha de Aprendizagem — Matemática, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza;
  • Os Cursos a Distância podem, atualmente, ser ofertados on-line a partir de instituições que realizam trabalhos de Educação a distância, porém, com a reforma, a carga horária da Formação Geral Básica deverá ser oferecida presencialmente e poderá ser admitido por meios tecnológicos somente com base em regulamento a ser elaborado previamente. 

PARA CONCLUIR

A Presidenta Executiva do Programa Todos pela Educação, Priscila Cruz, que menciona o Novo Plano Geral de Educação como algo que também está, no momento, em processo de reconfiguração, demonstra satisfação e regozijo com a aprovação do Projeto de Lei. Ela comenta, com se isso fosse algo positivo, que a "essência" do Projeto de Lei, em vigor, foi mantido. Fica nítido que ela coaduna com a perspectiva neoliberal explicitamente adotada por Camilo Santana em seu Ministério que tem deixado a desejar. A propósito, ele tem sido enfático na defesa da reforma (alguns a denominam de "deforma"), que se materializa nesse Projeto de Lei acrítico, absurdo e incapaz de observar a realidade educacional brasileira com a atenção e a criticidade que ela merece. 

Quanto à Reforma do Novo Ensino Médio, sabe o que penso? Ela não resolverá nada. Se amenizou em um ponto, prosseguiu com a acriticidade em outros. Sou Professor, escrevo com conhecimento de causa, por isso quero destacar que essa reforma deveria passar, antes, por esses pontos seguintes: 

1. Valorização salarial dos Profissionais da Educação (com melhores condições de trabalho, incentivo e estímulo à formação profissional);

2. Abertura de novas salas de aulas nas escolas para que, com isso, haja redução da quantidade de Estudantes por sala (amontoar de 35 a 45 Estudantes em quatro paredes fechadas, e querer uma boa Educação para o país, é um absurdo sem precedentes);

3. Distribuir livros didáticos de qualidade para os Estudantes (assim os Professores não precisariam sofrer procurando milhões de materiais extras com o intuito de substituir um livro didático mal elaborado e restritivo);

4. Proporcionar melhores condições de Ensino nas escolas do Brasil (do transporte à merenda escolar, passando pela disponibilidade de materiais pedagógicos indispensáveis à realização de aulas, temos urgência na resolução de problemas práticos dos cotidianos escolares, nada homogêneos, das cinco regiões do país);

5. Realizar uma reorganização do modelo curricular, sim, no entanto com a consulta real, objetiva, coerente, qualitativa, reflexiva e participativa de Profissionais que atuam em sala de aula (e não consultando profissionais cuja atuação educacional se restringe aos gabinetes e cuja visão acrítica faz-lhes se sentirem no direito de falar por quem está longe da realidade das escolas);

6.  Direcionar verbas para melhoria das escolas em todos os aspectos para que, assim, Estudantes se sintam acolhidos no âmbito escolar, tenham condições de estudar conscientes do papel da Educação em suas vidas, com a oferta de disciplinas escolares, sim, mas não só, pois as escolas precisam: de Psicólogos Escolares, de fomento aos Esportes, de incentivo às Artes, de condições dignas para a vivência de experiências de aprendizagens múltiplas, de acesso à Informática, de Bibliotecas bem equipadas, dentre outros itens não menos relevantes.

Cessarei por aqui, tendo em vista o tom idealizado já em vigor na minha explanação de revolta inerente. A reforma da Reforma do Novo Ensino Médio é uma falácia, uma trapaça discursiva e, portanto, só demonstra, em verdade, o quão acrítico o Brasil é, historicamente, quando o assunto é Educação. 

REFERÊNCIAS

CORTI, Ana Paula de Oliveira. Como fica o Ensino Médio após aprovação do PL na Câmara. Entrevista concedida a Kaique Santos. In: Jornal da Central do Brasil, Canal Brasil de Fato, 21 mar. 2024.  Disponível em: https://www.youtube.com/w. Acesso em; 24. Mar. 2024.

CRUZ, Priscila. Novo Ensino Médio: essência foi mantida, avalia presidente do Todos pela Educação. In: Brasil Meio-Dia, CNN Brasil, 20 mar. 2024. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=Ts2tubFTlu4. Acesso em: 24 mar. 2024. 

DORNELES JÚNIOR, Eldo. Reforma Aprovada – como será o Ensino Médio em 2025?. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WzrYseZnoA4&t=97s. Acesso em: 24 mar. 2024.

MAGALHÃES, Vera. Após reuniões tensas, MEC e Câmara chegam a ‘meio-termo’ sobre mudanças do Ensino Médio. In: Viva Voz, Rádio CBN, 20 mar. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TFo3cInlDvA.

SANTOS, Emily; RODRIGUES, Paloma; BARBIÉRI, Luiz Felipe. Câmara aprova Novo Ensino Médio após acordo sobre carga horária de matérias obrigatórias. 2024. In: Tv Globo e g1 Política. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/03/20/camara-aprova-novo-ensino-medio-apos-acordo-sobre-carga-horaria-de-materias-obrigatorias.ghtml. Acesso em: 24 mar. 2024.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

CRÔNICA: QUANDO ISSO PASSARÁ?



Estava pensando: quando a sensação de incompletude, que atravessa minha existência da infância à fase adulta, passará? Será que passa? Será que um dia, ainda que por um breve segundo, haverá festa de riso na descoberta de estar completo?

Quando a sensação de desencontro passará? A melancolia impregnada de domingo à tarde, quase dor de perfuração e sangue, passará? 

O sentimento de vazio latente, mesmo quando se tem ao lado a melhor das companhias, um dia passará? A sensação de deslocamento, de não fazer parte, de não se sentir compreendido, de existir com o pior das máscaras, hein, passará?

Quando meu sorriso ecoa, prometo, é verdade o que ele esparge, mas não deixe de perceber que na sequência ele vem com amarelas quedas e sombrios deslocamentos. O desespero, não se engane, tem vestimentas de riso fácil. Quando, por Deus, a incapacidade de ser verdadeiramente alegre passará? 

Quando cesso a palavra, isso parece estranho, mas ao falar o estranhamento se faz maior. Quando, pergunto aflito, quando isso passará? Quando terei a coragem de dizer sim ou não com a firmeza do querer o sim e do querer o não? 

Quando terei forças além da palavra escrita? Passará esse aperto do peito que simula pancada e queda? Essa vertigem de encontrar benesses no que é comum por não saber participar desse comum, por favor, quando isso passará? 

Nasce o dia, morre a noite e o nada galopa entre um tormento e outro. Nada, absolutamente nada, altera o impacto desse existir sem cor. Então, cenários de conquista e sucesso e benesse e festejo e aplauso parecem destoar do meu olhar caindo. Sim, caindo sempre, com chão aberto ou solo pavimentado, é assim o mote do riso em chamas e da boca em gelo. 

Eu só queria implodir a torre de culpa, o aceno de medo, o cansaço de não ter força para convívios... Quando passará, por tudo o que é mais sagrado, ou profano, quando isso deixará de existir? 

Estava pensando: existe alguma coisa aos gritos em mim. Por ouvir vozes por todos os lados, fico impedido de responder à altura, aí a queda já faz apelo e eu não sei dizer um não. 

Aflição! 

Émerson Cardoso

18.01.2024


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

BREVE RELATÓRIO DO CLUBE DE LEITURA - NOTAS SOBRE A CONTÍSTICA DE ZÉLIA SALES

06 de agosto

O Clube de Leitura para Iniciantes teve início na data de 06 de agosto de 2023, às 10h30, no Bosque do Centro Cultural do Cariri, localizado na cidade de Crato–CE. Na ocasião, foi apresentada a proposta de leitura dos seis encontros que deveriam ser mediados pelo Prof. Dr. Cícero Émerson do Nascimento Cardoso. Nesse sentido, as obras “A cadeira de barbeiro” e “O desespero do sangue”, da escritora cearense Zélia Sales, foram mencionadas, tendo em vista que os encontros tinham como proposta a leitura e o debate de um dos contos do livro “A cadeira de barbeiro”.

Com base nas reflexões explanadas no livro “A literatura como remédio”, de Dante Gallian (2017), o mediador discorreu sobre a relevância de ler e transformar a experiência da leitura em ampliação cognitiva, reflexiva e discursiva dos participantes do Clube de Leitura para Iniciantes, que tem como objetivo, dentre outros, proporcionar no Cariri um espaço de leitura e de debate de obras de autores e de autoras da literatura brasileira.

No primeiro encontro, o texto lido foi “Parque dos horrores”, do livro “A cadeira de barbeiro”. Antes da leitura, que ocorreu de forma interativa, houve breve explanação de notas alusivas às temáticas gerais abordadas pela escritora Zélia Sales, bem como houve menção a componentes biográficos e bibliográficos da autora.

Houve explanação concisa, também, acerca do gênero narrativo conto: definições, componentes estruturais, características gerais etc. Dentre as propostas teórico-críticas, foi apresentada a que se encontra em “Formas breves”, de Ricardo Piglia (2004).

Com base no conto lido, a discussão foi direcionada para diversos temas, dentre os quais: memória, conflitos familiares em torno da relação pai e filha, frustrações da infância, configuração do lúdico no imaginário da criança etc.

O encontro foi concluído com o sorteio, entre os presentes, de diversos livros teórico-críticos e ficcionais.

13 de agosto

No segundo encontro, o texto lido foi “Mas havia uma criança morta na mesa, no centro da sala”, do livro “A cadeira de barbeiro”. Antes da leitura, houve breve predição acerca da obra e, após a leitura interativa, houve debate alusivo aos temas: morte na infância, alienação parental, conflitos familiares em decorrência da separação conjugal, ausência paterna etc.

Como nesta data foi comemorado o Dia dos Pais, as discussões foram invariavelmente alusivas a essa data, tendo em vista que o texto possibilitou esse tipo de debate. 

20 de agosto

No terceiro encontro, o texto lido foi “Circo Íbis”, do livro “A cadeira de barbeiro”. Antes da leitura, houve breve predição acerca da obra e, após a leitura interativa, houve debate alusivo aos temas: curiosidade infantil, frustração na infância, maternidade, conflitos decorrentes do patriarcado, exploração do trabalho, erotização da figura feminina etc. 

O encontro foi concluído com o sorteio, entre os presentes, de diversos livros teórico-críticos e ficcionais, dentre eles o livro “A cadeira de barbeiro”, que foi doado pela própria autora para ser sorteado. A participante Elisabete Pacheco venceu o sorteio.  

27 de agosto

No quarto encontro, o texto lido foi “Tia Cândida”, do livro “O desespero do sangue”. Antes da leitura, houve breve predição acerca da obra e, após a leitura interativa, houve debate alusivo aos temas: velhice, demência cognitiva, culpa, conflitos decorrentes do patriarcado, superdimensionamento de responsabilidades direcionadas à figura feminina, morte etc. 

O encontro foi concluído com o sorteio, entre os presentes, de diversos livros teórico-críticos e ficcionais. 


03 de setembro

No quinto encontro, o texto lido foi “Mercado de carnes”, do livro “O desespero do sangue”. Antes da leitura, houve breve predição acerca da obra e, após a leitura interativa, houve debate alusivo aos temas: prostituição infantil, conflitos decorrentes do patriarcado, depreciação da figura feminina, erotização em contexto de pré-adolescência etc. 

O encontro foi concluído com o sorteio, entre os presentes, de diversos livros teórico-críticos e ficcionais. 




10 de setembro

No sexto e último encontro, o texto lido foi o que dá título ao livro: “O desespero do sangue”. Antes da leitura, houve breve predição acerca da obra e, após a leitura interativa, houve debate alusivo aos temas: conflitos decorrentes do patriarcado, poder de escolha da mulher, relações familiares, maternidade, feminicídio etc. 

O encontro foi concluído com o sorteio, entre os presentes, de diversos livros teórico-críticos e ficcionais. Dentre os livros, foi sorteado o que intitula o conto lido no encontro. Quem o recebeu foi novamente a participante Elizabete Pacheco.







 

REFERÊNCIAS:

CARDOSO, Émerson. Notas sobre ‘A cadeira de barbeiro’, de Zélia Sales. 2018. Disponível em: https://emersoncardosoemerson.blogspot.com/2018/01/resenha-critica-notas-sobre-cadeira-de.html. Acesso em: 06 ago. 2023.

GALLIAN, Dante. A literatura como remédio: os clássicos e a saúde da alma. São Paulo: Martin Claret, 2017.

PIGLIA, Ricardo. Teses sobre o conto. In: Formas breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

SALES, Zélia. A cadeira de barbeiro. Fortaleza: Luazul Editora, 2015.

_____. O desespero do sangue. Fortaleza: Luazul Editora, 2017.

CRÔNICA: "O ESGOTAMENTO MENTAL QUE ME AGRIDE"


Não vou definir o que é esgotamento mental. Vou dizer, apenas, que meu esgotamento mental existe e eu estou perplexo com a dificuldade das pessoas em compreender que alguém pode ficar nessa situação.

Tenho histórico de esgotamentos. Vivenciei essa nefasta experiência durante a graduação e as pós-graduações, no ambiente de trabalho, no convívio familiar e em diversos momentos da minha vida. Quando olho para trás, constato que o esgotamento mental me foi uma presença constante. Ele me causa sensações terríveis: tontura, fadiga, angústia, sensação de febre, dores musculares, tensões, insônia, dores de cabeça, visão turva, taquicardia, impaciência, desespero, falta de concentração, tendência ao isolacionismo, medo, tristeza, dor e ausência de esperanças. 

Neste momento em que escrevo, estou excessivamente cansado. O corpo e a mente gritam. A vida parece um eterno caminho de pedras a ser transposto por obrigação e a ser suportado mesmo que a duras penas. 

Estou cansado. Não digo que estou cansado da vida. Estou cansado de conduzir a vida desse modo um tanto grosseiro: sem paz, sem forças, sem descanso, sem afetos verdadeiros, sem compreensões tão necessárias para o convívio social e repleto de obrigatoriedades e cobranças acríticas. 

Estou exausto. Pessoas mais próximas estranham meu desejo de isolamento. Às vezes, o mundo parece um buraco que deve ser evitado. Sim, porque o mundo não se faz amável. Ele quer nossa energia e, infelizmente, essa energia já se exauriu. Na urgência de atender a esses ditames, a pessoa adoece e cai no mais absoluto esgotamento. O fundo do poço não instiga esperança de portas ou de escadas.

Estou esgotado. Quero descansar. Preciso descansar. Exijo de mim mesmo um resquício de descanso. Ainda não sei como fazê-lo, mas estou em busca de algum oásis que anule esse caos construído em meu derredor. 

Não tenho ânimo para viagens, trilhas, atividades físicas, convívios, trabalho e atividades intelectuais. Como tenho compulsão por escrever, é tudo o que me resta. Escrever tem sido um subterfúgio, mas sabemos que essa atividade também pode nos esgotar. 

Enfim, estou cansado como poucas vezes estive na vida. Quero algum alento. Não sinto que a vida pode melhorar se não me for possível vivenciar esse descanso. Torço para pessoas do meu convívio não estarem na mesma situação que eu, porque não é tranquilo lidar com isso. Enquanto busco meu descanso de algum modo, uma vez que se eu permanecer desse jeito não resistirei, vou torcendo para que o mundo seja menos caótico e mais leve. 

Inspirado na irônica canção "Fundo do poço", de Clarice Falcão, também vou criar estratégias para decorar meu fundo do poço e transformá-lo em espaço de descanso. Enquanto não me vem a energia necessária para tal empreendimento, vou escrevendo daqui desse poço profundo. Fui atirado nele pelas exaustivas circunstâncias da vida, porém farei de tudo para transformá-lo em espaço de descanso.

Émerson Cardoso
12/09/2023 

CRÔNICA: "O CALOR REINA NO MUNDO"


Hoje, quando o calor reina no mundo, sinto que não é possível enfrentá-lo sem aceitar que nós temos colhido o que plantamos. A mediocridade do ser humano tem destruído o planeta e, agora, temos constatado a natureza mostrando sua capacidade de ensinar pela dor.

Não é que eu seja de todo pessimista, mas tampouco sou a viva esperança, de modo que ouso dizer: a humanidade pagará caro por ter desrespeitado a natureza da qual nunca deixou de fazer parte - embora faça de tudo para isentar-se dessa participação inequívoca.  

Ultimamente, além do calor, tem sido cansativo conviver com o mundo. Não tenho estrutura psíquica que me torne capaz de prosseguir com as máscaras sociais com as quais precisei deslizar em mil convívios. Quero leveza, sabe? Para ser leve, precisarei fugir de amarras criadas no entorno das relações. Também precisarei acender fogueira com as máscaras que já não cabem mais em meu rosto exaurido. 

Enquanto escrevo, sem ter exatamente condições de prosseguir, sinto que a noite me convida a um adormecimento incapaz de me acalentar. Estou exaurido demais para conseguir firmar meus sonhos em algum lugar capaz de me caber com minha angústia imensa, porém necessária em mim - sem ela não serei eu em minha essência. 

07/10/2023

segunda-feira, 31 de julho de 2023

NOTAS A RESPEITO DO LIVRO "O SOL NA CABEÇA", DE GEOVANI MARTINS

Foto: www.puxadinhogeek.com.br

"O sol na cabeça", de Geovani Martins, apresenta treze contos. 

"Rolézim"

"Espiral"

"Roleta-russa"

"O caso da borboleta"

"A história do periquito e do macaco"

"Primeiro dia"

"O rabisco"

"A viagem"

"Estação Padre Miguel"

"O cego"

"O mistério da vila"

"Sextou"

"Travessia"



CRÔNICA: CARTA PARA MIM MESMO EM PREPARAÇÃO PARA O PERÍODO EM QUE MAIS FICO DEPRESSIVO


Entre agosto e setembro, quando a temperatura sobe e o mundo torna-se insustentável para mim, eu tenho tendência a ficar depressivo. Deslocado que sou no mundo, sinto que a depressão faz parte de minha jornada e, sem querer apagá-la de mim, porque já a aceito em meu processo de existir, escrevo com um objetivo muito definido: quero atravessar esse meu deserto com algum preparo.

Será que minha angústia vem do fato de que as férias acabam e eu tenho que voltar a trabalhar? Não, não tem a ver com isso, porque apenas em 2023 eu tive, de fato, férias em toda a minha vida. Também não considero que sala de aula seja espaço angustiante a ponto de me causar depressão. Meus conflitos nunca estiveram vinculados à sala de aula, especificamente, porque a escola dói é no que não é estudante em busca de algum futuro. A escola dói, em verdade, é na inautenticidade de outros componentes que deveriam ser união e força e não o são. 

Será que minha angústia vem do aparente conflito interno que demonstro por ter uma mente que só está pacificada, no momento, porque mergulhada em oceano de Escitalopran e de Trazodona? Não, eu também estou melhor porque há tempos faço análise com um psicanalista lacaniano e isso tem me dado melhores dimensões sobre minha estrutura psíquica. 

Será que minha angústia vem de ser exigente com os outros? Não, não mesmo, porque se faço exigências é em relação a mim, que me percebo falho demais e vivo de autocobranças. Culpa, a propósito, tem sido um desafio. Estou na luta para me livrar dessa arrebatadora de vidas. A culpa é uma destruidora voraz de vidas. 

Será que minha angústia vem do passado? Traumas? Família disfuncional? Infância infeliz? Sobreviver, devo dizer, foi o maior dos atos nessa minha existência capaz de compreensões apesar do endurecimento das relações. Também a análise tem me dado novas percepções dessa vida que é caos, no entanto merece alguns esforços de continuidade. 

Será que minha angústia vem de... 

Chega! 

Não importa saber de onde ela vem. Importa saber apenas como existir apesar do que ela pode no devorar da carne. Importa, além disso, saber das esperanças motivadoras sem esquecer das fragilidades e das crueldades das relações. Tenho medo de altura, mas dificilmente não me inclinaria ao desafio de subir uma montanha. 

Minha angústia, eu estou aberto a conversar e torná-la parte de um todo que sou sem, contudo, percebê-la infame quando vem em enxurrada. 

Depressão, não me faça deitar em berço esplêndido e esperar que gritem às margens plácidas quando eu posso emitir meu próprio grito. 

Acolho, portanto, esse momento que me virá sem revolta, mas não com aceitação passiva, e quero estar pronto para seguir meu andar sem medo, sem amarras e sem cansaços aprisionadores. Em breve, quando passar essa nuvem de poeira, vamos prosseguir com novas motivações. Eu estou aberto às possibilidades de viver, mesmo que em alguns momentos eu não consiga encontrar no horizonte, senão, um constante ocaso. 

Émerson Cardoso
31/07/2023